quinta-feira, 21 de agosto de 2014

RG ENTREVISTA #09: GUSTAVO ALMEIDA

Gestor de Programação da TVU Recife tem um papo franco sobre televisão.

Gustavo tá na TVU desde 2012.

“...Pra que emprego, que coisa chata! / Aproveite o Carnaval / Mesmo sem luz, proteção, nem dinheiro / Por favor, não mude o canal...”. O trecho da música “Seu Mestre Mandou”, de Pitty, mostra um pouco da influência que recebemos da televisão, que a cada dia se mostra uma faca de dois gumes. Nos divertimos, mas também nos iludimos. Nos informamos, mas também nos enganamos. O #RGnaTV sempre mostra o lado positivo e bacana da telinha, mas é bastante oportuno mostrar também um lado crítico sobre esse, ainda imponente, veículo de comunicação. E acho que consegui falar com uma pessoa certa para esse #RGEntrevista. Gustavo Almeida é diretor de programação da TV Universitária, em Recife. Nesta pequena-grande conversa, além de falar da sua carreira, o também editor do blog colaborativo Recortes do Todo falou um pouco sobre TV pública, o posicionamento da mídia sobre manifestações como o “Ocupe Estelita” e os aspectos positivos e negativos do que temos na TV aberta atualmente.

RG na TV: Como você veio parar na área de comunicação? Era uma vontade sua? Pode contar um pouco da sua trajetória?
Gustavo Almeida: Lembro-me de, ainda criança, dizer em casa que queria morar dentro da televisão, de tanto que eu gostava de ficar sintonizado! Fiz Comunicação Social com habilitação em Rádio & TV na UFPE e, no mesmo período, também cursei o profissionalizante de nível médio em Radialismo, na antiga Escola Técnica Federal de PE, hoje IFPE. Um ano e meio era a duração desse curso. Terminei-o quando estava no quarto semestre do curso superior (1998). Fui solicitar um estágio na Rede Globo Nordeste e consegui. Assim que eu entrei, surgiu uma vaga para um cargo efetivo, candidatei-me e depois de um rigoroso processo seletivo, que durou um mês, eu fui contratado.
Ali começava, efetivamente, minha carreira profissional. Na Globo eu fui produtor e redator de promoções da Programação e coordenador de transmissão ao vivo e de gravações especiais, além de desenvolver também outras atividades correlatas. Fiz alguns intercâmbios na sede da empresa no RJ e também em SP, foi uma boa escola. Saí de lá para ser gerente de Produção e Programação da TV Jornal. Fiquei quase 3 anos na emissora do Sistema JC. Durante minha passagem por lá, ingressei no mestrado em Comunicação da UFPE, com pesquisa sobre o discurso autopromocional da televisão brasileira. A saída da TV Jornal coincidiu com a conclusão do mestrado e minha decisão de seguir carreira acadêmica. Tornei-me professor de Comunicação e passei a lecionar em algumas faculdades. Ainda voltei pra Globo e passei mais 1 ano meio. Em 2011 dirigi um programa televisivo sobre moda e comportamento (“Casa de Botão” – 23 programas), fruto de um projeto da Plano 9 Produções, incentivado pelo Funcultura. Eu diria que isso resume a minha trajetória até 2012.

RG: Hoje você é responsável pelo setor de programação da TV Universitária, mas dentro da emissora você já foi apresentador e diretor, certo? Quanto tempo você está na casa e como é a sua relação com o canal?
Gustavo: Entrei na TVU em 2012, no cargo de diretor de produção, através de aprovação em concurso público, pois a emissora faz parte do NTVRU, Núcleo de TV e Rádios Universitárias da UFPE, ou seja, voltei para a Universidade que me formou, agora não mais como estudante de graduação e de mestrado, mas sim como servidor. Na emissora, já desempenhei algumas variadas atividades, sempre ligadas às áreas de produção e programação. Não fui apresentador, mas locutor, produtor e redator de chamadas, coordenador de transmissão ao vivo, diretor de documentário, diretor de programa, produtor, roteirista de programação e, desde julho/2014, estou como gestor do departamento de Programação, buscando participar ativamente do projeto de reestruturação organizacional em curso.

RG: Desde o início de 2013, a TVU começou a investir numa nova identidade visual e no slogan "Nossa TV Pública". Poderia falar um pouco sobre o que é uma TV pública e como tem sido a atuação da TV Universitária nesse meio?
Gustavo: Essa pergunta pede uma longa resposta, bem maior do que as anteriores, não cabe aqui nessa entrevista, talvez em outro espaço, mas tentarei esclarecer em linhas gerais.
Historicamente, em 1950, a televisão no Brasil surgiu comercial, diferentemente do que ocorreu nos mais importantes países da Europa, berço da televisão e da comunicação pública. Em nosso país, a televisão pública só veio surgir em 1968, exatamente com a inauguração da TV Universitária do Recife, que foi, na verdade, a primeira emissora educativa e que tinha algumas, poucas, características do que se entendia como televisão pública no resto do mundo. A confusão conceitual não é de hoje, começou naquela época. Em 2007, o Governo Lula criou a EBC – Empresa Brasil de Comunicação, fazendo surgir também a nova TV pública nacional, a TV Brasil. A TVU Recife tornou-se parceira da EBC e passou a ter como sua rede geradora a TV Brasil.
História à parte, pode-se dizer que a TV pública tem como princípios, entre outros, a pluralidade de temas, produção de conteúdo – artístico, cultural e jornalístico – sem subordinação a interesses comerciais e, principalmente, que tem sua grade de programação construída coletivamente com a sociedade, representada por alguns cidadãos, indicados pela própria sociedade, em diversos conselhos e comitês das emissoras, tais como conselho curador, conselho de programação ou comitê de conteúdo. Na televisão pública, os comunicadores e demais profissionais não devem estar a serviço de um empresário concessionário de canal de radiodifusão, como nos canais comerciais, e sim a serviço do povo. O cidadão contribuinte é o seu “patrão”. De tal modo que a pluralidade de temas, a qual eu me referi, deve trazer à tona a vastidão de sujeitos, culturas, etnias e outras características que marcam a sociedade, sempre respeitando as pessoas. A participação social, além da presença em conselhos e comitês, deve se dar também através da produção dita independente, isto é, a que não é feita por profissionais da própria emissora, buscando assim garantir diversidade e diversificação de olhares e percepções de variados produtores e diretores de conteúdo.
Em suma é isso, mas reforço o que disse no início da resposta, o debate sobre TV pública é muito amplo para se esgotar aqui nessa breve entrevista. Antes de terminar a resposta, sugiro uma leitura atenta ao Projeto de Lei de Iniciativa Popular que está circulando no país. Este projeto, popularmente chamado de Lei da Mídia Democrática, pretende, primeiramente, conseguir a regulamentação constitucional dos itens que versam sobre a Comunicação Social e, a partir daí, criar regras e definir ferramentas de controle social sobre os veículos de comunicação eletrônica no Brasil. O projeto está na íntegra apresentado no site www.paraexpressaraliberdade.org.br.

"Não se tem comunicação social e sim comunicação capital."
(Gustavo Almeida, sobre a cobertura da imprensa local do "Ocupe Estelita")

RG: Alguns programas da TVU saíram do ar esse ano, tais como o Curta Pernambuco (que era o programa mais antigo da emissora até então) e o Cinema 11. Poderia dizer quais os motivos? Eles voltarão?
Gustavo: Os referidos programas saíram da grade por força de um projeto de reestruturação organizacional que a atual gestão do NTVRU está empreendendo desde fevereiro de 2014. A partir da escassez do quadro de servidores e de cortes da UFPE no número de bolsas para estudantes, entre outras coisas, o corpo gestor adotou a estratégia de eleger algumas prioridades, no caso da produção de conteúdo a prioridade deste ano foi dada ao programa de debate Opinião Pernambuco, assim, o Curta PE e o Cinema 11 foram retirados da grade. Mas a proposta da reestruturação prevê uma faixa de programação dedicada à cadeia produtiva do audiovisual local ainda maior do que os 30 minutos semanais de cada programa que saiu. A gestão do NTVRU e a UFPE entendem a importância da produção cultural e audiovisual que vem destacando Pernambuco no cenário nacional e também na esfera internacional e pretende destinar uma (ou mais de uma) faixa horária especialmente voltada à veiculação de produções audiovisuais pernambucanas. Se os programas vão voltar ou não, só saberemos quando o Comitê de Conteúdo do Núcleo estiver atuando efetivamente, algo previsto ainda para 2014.

RG: A televisão pernambucana - na verdade, a imprensa do estado como um todo - tem sido questionada atualmente por levar ao seu público uma visão muito parcial de casos de grande relevância na nossa sociedade, como o movimento #OcupeEstelita. Qual o seu ponto de vista sobre este caso e a falta de espaço desse assunto à população?
Gustavo: Minha opinião é objetiva, tal e qual a objetividade do mercado publicitário, que mantém as emissoras comerciais. Esse tema não tem espaço nos canais comerciais e jornais porque a indústria em torno dos empreendimentos imobiliários é uma das principais anunciantes desses veículos. A linha editorial do veículo termina subordinada ao seu departamento comercial. E isso não é exclusividade de Pernambuco. Na verdade, digo que não se tem comunicação social e sim comunicação capital.

RG: Estamos na época da TV digital. E o processo de desligamento do sinal analógico já foi determinado por lei em todo o Brasil, embora só seja concluído no final de 2018. Qual a visão da TV Universitária sobre esse assunto?
Gustavo: A UFPE está atenta e muito interessada na migração do sinal analógico para o digital, até porque esse é um processo sem volta. Projetos para essa finalidade estão em curso dentro do Núcleo e sendo acompanhados pela Universidade, tudo dentro das exigências do Ministério das Comunicações.

RG: Pra você, o que falta na televisão aberta atualmente?
Gustavo: Programas de entretenimento com mais criatividade e mais respeito ao cidadão. Jornalismo livre do mercantilismo da comunicação capital e que provoque reflexão sem impor, implícita ou explicitamente, a opinião e/ou ideologia da emissora. Aliás, acho que a empresa/emissora deveria ser obrigada por lei a informar ao cidadão qual a sua linha ideológica e editorial. Isso posto as pessoas seriam menos manipuladas por discursos subliminares e tendenciosos, mentirosamente chamados pelas emissoras de imparciais.

Gustavo tiraria do ar qualquer programa que desrespeite 
os seres vivos.

RG: E na televisão pernambucana?
Gustavo: Sou muito crítico em relação ao que é produzido pelas emissoras de Pernambuco. Não vejo nada de inovador nos programas de produção artística e cultural e nem vejo um jornalismo livre, social e positivamente diferenciado. Com a reestruturação, a TVU Recife pretende preencher essa lacuna, sobretudo, porque faz parte de uma de suas premissas básicas, se vai conseguir ou não, o tempo dirá. Tomara que sim!

RG: O que já te divertiu e o que te diverte na televisão hoje em dia?
Gustavo: Sempre gostei muito de programas musicais e esportivos. Com a chegada da TV por assinatura e seus canais segmentados, passei a ver, com muito prazer, documentários, que é um gênero que não tem espaço na TV aberta, infelizmente. Hoje, com a novidade do conteúdo sob demanda e com a vasta gama de possibilidades que a Internet oferece, tenho me divertido com alguns produtos, programas e canais alternativos nessa multifacetada plataforma, mas usando o suporte televisivo conectado à Internet para assistir. Na televisão aberta continuo vendo programas de esportes e transmissões esportivas. Nos canais por assinatura, documentários dos mais diversos e shows/programas musicais.

RG: O que você tiraria do ar definitivamente?
Gustavo: Qualquer programa ou produto que desrespeite os seres vivos.

Entrevista incrível! Obrigado, Gustavo!

Nenhum comentário:

Postar um comentário