Gestor de Programação da TVU Recife tem um papo franco sobre televisão.
Gustavo tá na TVU desde 2012.
“...Pra
que emprego, que coisa chata! / Aproveite o Carnaval / Mesmo sem luz,
proteção, nem dinheiro / Por favor, não mude o canal...”. O
trecho da música “Seu Mestre Mandou”, de Pitty, mostra um pouco
da influência que recebemos da televisão, que a cada dia se mostra
uma faca de dois gumes. Nos divertimos, mas também nos iludimos. Nos
informamos, mas também nos enganamos. O #RGnaTV sempre mostra o lado
positivo e bacana da telinha, mas é bastante oportuno mostrar também
um lado crítico sobre esse, ainda imponente, veículo de
comunicação. E acho que consegui falar com uma pessoa certa para
esse #RGEntrevista. Gustavo Almeida é diretor de programação da TV
Universitária, em Recife. Nesta pequena-grande conversa, além de
falar da sua carreira, o também editor do blog colaborativo Recortes do Todo falou um pouco sobre TV pública, o posicionamento da mídia
sobre manifestações como o “Ocupe Estelita” e os aspectos
positivos e negativos do que temos na TV aberta atualmente.
RG na
TV: Como você veio parar na área de comunicação? Era uma
vontade sua? Pode contar um pouco da sua trajetória?
Gustavo
Almeida: Lembro-me de, ainda criança, dizer em casa que
queria morar dentro da televisão, de tanto que eu gostava de ficar
sintonizado! Fiz Comunicação Social com habilitação em Rádio &
TV na UFPE e, no mesmo período, também cursei o profissionalizante
de nível médio em Radialismo, na antiga Escola Técnica Federal de
PE, hoje IFPE. Um ano e meio era a duração desse curso. Terminei-o
quando estava no quarto semestre do curso superior (1998). Fui
solicitar um estágio na Rede Globo Nordeste e consegui. Assim que eu
entrei, surgiu uma vaga para um cargo efetivo, candidatei-me e depois
de um rigoroso processo seletivo, que durou um mês, eu fui
contratado.
Ali
começava, efetivamente, minha carreira profissional. Na Globo eu fui
produtor e redator de promoções da Programação e coordenador de
transmissão ao vivo e de gravações especiais, além de desenvolver
também outras atividades correlatas. Fiz alguns intercâmbios na
sede da empresa no RJ e também em SP, foi uma boa escola. Saí de lá
para ser gerente de Produção e Programação da TV Jornal. Fiquei
quase 3 anos na emissora do Sistema JC. Durante minha passagem por
lá, ingressei no mestrado em Comunicação da UFPE, com pesquisa
sobre o discurso autopromocional da televisão brasileira. A saída
da TV Jornal coincidiu com a conclusão do mestrado e minha decisão
de seguir carreira acadêmica. Tornei-me professor de Comunicação e
passei a lecionar em algumas faculdades. Ainda voltei pra Globo e
passei mais 1 ano meio. Em 2011 dirigi um programa televisivo sobre
moda e comportamento (“Casa de Botão” – 23 programas), fruto
de um projeto da Plano 9 Produções, incentivado pelo Funcultura. Eu
diria que isso resume a minha trajetória até 2012.
RG:
Hoje você é responsável pelo setor de programação da TV
Universitária, mas dentro da emissora você já foi apresentador e
diretor, certo? Quanto tempo você está na casa e como é a sua
relação com o canal?
Gustavo:
Entrei na TVU em 2012, no cargo de diretor de produção,
através de aprovação em concurso público, pois a emissora faz
parte do NTVRU, Núcleo de TV e Rádios Universitárias da UFPE, ou
seja, voltei para a Universidade que me formou, agora não mais como
estudante de graduação e de mestrado, mas sim como servidor. Na
emissora, já desempenhei algumas variadas atividades, sempre ligadas
às áreas de produção e programação. Não fui apresentador, mas
locutor, produtor e redator de chamadas, coordenador de transmissão
ao vivo, diretor de documentário, diretor de programa, produtor,
roteirista de programação e, desde julho/2014, estou como gestor do
departamento de Programação, buscando participar ativamente do
projeto de reestruturação organizacional em curso.
RG:
Desde o início de 2013, a TVU começou a investir numa nova
identidade visual e no slogan "Nossa TV Pública". Poderia
falar um pouco sobre o que é uma TV pública e como tem sido a
atuação da TV Universitária nesse meio?
Gustavo:
Essa pergunta pede uma longa resposta, bem maior do que as
anteriores, não cabe aqui nessa entrevista, talvez em outro espaço,
mas tentarei esclarecer em linhas gerais.
Historicamente,
em 1950, a televisão no Brasil surgiu comercial, diferentemente do
que ocorreu nos mais importantes países da Europa, berço da
televisão e da comunicação pública. Em nosso país, a televisão
pública só veio surgir em 1968, exatamente com a inauguração da
TV Universitária do Recife, que foi, na verdade, a primeira emissora
educativa e que tinha algumas, poucas, características do que se
entendia como televisão pública no resto do mundo. A confusão
conceitual não é de hoje, começou naquela época. Em 2007, o
Governo Lula criou a EBC – Empresa Brasil de Comunicação, fazendo
surgir também a nova TV pública nacional, a TV Brasil. A TVU Recife
tornou-se parceira da EBC e passou a ter como sua rede geradora a TV
Brasil.
História
à parte, pode-se dizer que a TV pública tem como princípios, entre
outros, a pluralidade de temas, produção de conteúdo –
artístico, cultural e jornalístico – sem subordinação a
interesses comerciais e, principalmente, que tem sua grade de
programação construída coletivamente com a sociedade, representada
por alguns cidadãos, indicados pela própria sociedade, em diversos
conselhos e comitês das emissoras, tais como conselho curador,
conselho de programação ou comitê de conteúdo. Na televisão
pública, os comunicadores e demais profissionais não devem estar a
serviço de um empresário concessionário de canal de radiodifusão,
como nos canais comerciais, e sim a serviço do povo. O cidadão
contribuinte é o seu “patrão”. De tal modo que a pluralidade de
temas, a qual eu me referi, deve trazer à tona a vastidão de
sujeitos, culturas, etnias e outras características que marcam a
sociedade, sempre respeitando as pessoas. A participação social,
além da presença em conselhos e comitês, deve se dar também
através da produção dita independente, isto é, a que não é
feita por profissionais da própria emissora, buscando assim garantir
diversidade e diversificação de olhares e percepções de variados
produtores e diretores de conteúdo.
Em
suma é isso, mas reforço o que disse no início da resposta, o
debate sobre TV pública é muito amplo para se esgotar aqui nessa
breve entrevista. Antes de terminar a resposta, sugiro uma leitura
atenta ao Projeto de Lei de Iniciativa Popular que está circulando
no país. Este projeto, popularmente chamado de Lei da Mídia
Democrática, pretende, primeiramente, conseguir a regulamentação
constitucional dos itens que versam sobre a Comunicação Social e, a
partir daí, criar regras e definir ferramentas de controle social
sobre os veículos de comunicação eletrônica no Brasil. O projeto
está na íntegra apresentado no site
www.paraexpressaraliberdade.org.br.
"Não se tem comunicação social e sim comunicação capital."
(Gustavo Almeida, sobre a cobertura da imprensa local do "Ocupe Estelita")
RG:
Alguns programas da TVU saíram do ar esse ano, tais como o Curta
Pernambuco (que era o programa mais antigo da emissora até então) e
o Cinema 11. Poderia dizer quais os motivos? Eles voltarão?
Gustavo:
Os referidos programas saíram da grade por força de um projeto
de reestruturação organizacional que a atual gestão do NTVRU está
empreendendo desde fevereiro de 2014. A partir da escassez do quadro
de servidores e de cortes da UFPE no número de bolsas para
estudantes, entre outras coisas, o corpo gestor adotou a estratégia
de eleger algumas prioridades, no caso da produção de conteúdo a
prioridade deste ano foi dada ao programa de debate Opinião
Pernambuco, assim, o Curta PE e o Cinema 11 foram retirados da grade.
Mas a proposta da reestruturação prevê uma faixa de programação
dedicada à cadeia produtiva do audiovisual local ainda maior do que
os 30 minutos semanais de cada programa que saiu. A gestão do NTVRU
e a UFPE entendem a importância da produção cultural e audiovisual
que vem destacando Pernambuco no cenário nacional e também na
esfera internacional e pretende destinar uma (ou mais de uma) faixa
horária especialmente voltada à veiculação de produções
audiovisuais pernambucanas. Se os programas vão voltar ou não, só
saberemos quando o Comitê de Conteúdo do Núcleo estiver atuando
efetivamente, algo previsto ainda para 2014.
RG: A
televisão pernambucana - na verdade, a imprensa do estado como um
todo - tem sido questionada atualmente por levar ao seu público uma
visão muito parcial de casos de grande relevância na nossa
sociedade, como o movimento #OcupeEstelita. Qual o seu ponto de vista
sobre este caso e a falta de espaço desse assunto à população?
Gustavo:
Minha opinião é objetiva, tal e qual a objetividade
do mercado publicitário, que mantém as emissoras comerciais. Esse
tema não tem espaço nos canais comerciais e jornais porque a
indústria em torno dos empreendimentos imobiliários é uma das
principais anunciantes desses veículos. A linha editorial do veículo
termina subordinada ao seu departamento comercial. E isso não é
exclusividade de Pernambuco. Na verdade, digo que não se tem
comunicação social e sim comunicação capital.
RG:
Estamos na época da TV digital. E o processo de desligamento do
sinal analógico já foi determinado por lei em todo o Brasil, embora
só seja concluído no final de 2018. Qual a visão da TV
Universitária sobre esse assunto?
Gustavo:
A UFPE está atenta e muito interessada na migração do sinal
analógico para o digital, até porque esse é um processo sem volta.
Projetos para essa finalidade estão em curso dentro do Núcleo e
sendo acompanhados pela Universidade, tudo dentro das exigências do
Ministério das Comunicações.
RG:
Pra você, o que falta na televisão aberta atualmente?
Gustavo:
Programas de entretenimento com mais criatividade e mais respeito
ao cidadão. Jornalismo livre do mercantilismo da comunicação
capital e que provoque reflexão sem impor, implícita ou
explicitamente, a opinião e/ou ideologia da emissora. Aliás, acho
que a empresa/emissora deveria ser obrigada por lei a informar ao
cidadão qual a sua linha ideológica e editorial. Isso posto as
pessoas seriam menos manipuladas por discursos subliminares e
tendenciosos, mentirosamente chamados pelas emissoras de imparciais.
Gustavo tiraria do ar qualquer programa que desrespeite
os seres vivos.
RG: E
na televisão pernambucana?
Gustavo:
Sou muito crítico em relação ao que é produzido pelas
emissoras de Pernambuco. Não vejo nada de inovador nos programas de
produção artística e cultural e nem vejo um jornalismo livre,
social e positivamente diferenciado. Com a reestruturação, a TVU
Recife pretende preencher essa lacuna, sobretudo, porque faz parte de
uma de suas premissas básicas, se vai conseguir ou não, o tempo
dirá. Tomara que sim!
RG: O
que já te divertiu e o que te diverte na televisão hoje em dia?
Gustavo:
Sempre gostei muito de programas musicais e esportivos. Com a
chegada da TV por assinatura e seus canais segmentados, passei a ver,
com muito prazer, documentários, que é um gênero que não tem
espaço na TV aberta, infelizmente. Hoje, com a novidade do conteúdo
sob demanda e com a vasta gama de possibilidades que a Internet
oferece, tenho me divertido com alguns produtos, programas e canais
alternativos nessa multifacetada plataforma, mas usando o suporte
televisivo conectado à Internet para assistir. Na televisão aberta
continuo vendo programas de esportes e transmissões esportivas. Nos
canais por assinatura, documentários dos mais diversos e
shows/programas musicais.
RG: O
que você tiraria do ar definitivamente?
Gustavo: Qualquer programa ou produto
que desrespeite os seres vivos.
Entrevista incrível! Obrigado, Gustavo!